terça-feira, 6 de outubro de 2009

Selvageria

Levar a vida mediocremente nunca havia sido um problema para mim. O conforto me era necessário. Eu expulsara tudo o que me fazia sentir vivo por dentro, não havia dores de um amor romântico, não existia lembranças de noites de verão, eu não lembrava como minha risada soava. Eu não possuía nada. A metafísica era minha inimiga. Mas de uns tempos para cá, aquela monotonia do dia a dia ultimamente começara a me incomodar. Aos poucos fui exigindo mais de mim até chegar a proporções surreais. Eu agora ansiava por liberdade, por uma loucura qualquer, queria sofrer. Era hora de aprender a gritar.

Resolvi sair de casa e ir até a Praça do Bem-feitores, encontrar quem sabe por acaso um excesso de felici
dade qualquer e roubá-lo para mim.

A praça estava gelada e vazia, a brisa da manhã tentava sem sucesso esquentar aquele lugar que parecia mais um
cenário de filme de terror.

Quando passava pelos balanços que chiavam como um
coro de desespero senti uma estranha pontada nas costas. De início era uma dor suportável. Com o passar dos segundos a dor aumentava como uma faca saindo de dentro de mim, eu estava queimando por dentro, não conseguia gritar, chorar nem ao menos implorar pelo fim. Eu estava sendo perfurado ao avesso. Com o passar do tempo, a dor se incorporou em mim, senti certo prazer no meu sofrimento, aquela selvageria era antes de tudo minha essência. Eu era a dor. Pousei as mãos nas minhas costas e senti uma penugem estranha, molhada como um corvo que acabara de nascer. Eu agora tinha um par de asas; negras, enormes, gritantes por alguma coisa maior do que eu.

Olhei diabolicamente para elas, tão imponentes como se possuíssem vida própria. Uma pena foi caindo até o chão numa valsa hipnotizante, peguei-a ain
da no ar, senti seu cheiro, coloquei junto ao meu peito. Abri meu par de asas devagar, timidamente sai voando, criei meu arco-íris e fui ao destino do incontrolável. Fui ao meu encontro.


João Henrique Valentim

Um comentário:

  1. E em milhares de horizontes, avistei você, e quis voar em sua companhia os próximos dias, sem rumo, sem sentido, sem qualquer utopia. Pois, para a minha alegria, bastava vc em minha vida.

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